quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Cotas Raciais

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da vida do homem em sociedade, provavelmente a busca pela igualdade seja um dos maiores anseios da humanidade. Essa busca sempre ocasionou grandes disputas quando este direito era ferido. Assim como a liberdade, desenvolve-se no íntimo do ser humano essa atitude de igualar com os demais.

Com o avanço das sociedades, estas foram se organizando a fim de melhor construir esse direito. Neste trabalho tomando por base o tema “Cotas Raciais” queremos de forma geral analisar como se deu na construção inicial do Estado o desenvolvimento dos princípios de igualdade, mediados por esse poder.

A seguir passaremos a análise e comparação deste princípio com o tema em estudo. Veremos alguns questionamentos com relação a sociedade brasileira, que sendo formada de forma miscigenada, diferencia-se no exercício de seus direitos.

Como veremos, o tema de cotas raciais sugere vários debates, que incluem posições contrárias e favoráveis, quanto a constitucionalidade dessa política, que vem sendo implantada em várias instituições de ensino no Brasil. Por fim destacaremos Projeto de Lei em andamento na Câmara Federal que objetivo unificar a aplicação das cotas.

CONTEXTO HISTÓRICO E FILOSÓFICO JURÍDICO

Cabe-nos primeiramente antes da análise referida, relembrar um pouco do contexto histórico e filosófico que permitiu a evolução para as atuais questões relacionadas as divisões dos grupos étnicos e seus efeitos na sociedade.

Uma das buscas principais da humanidade ocorre sobre a igualdade de condições entre todos os seres humanos. Historicamente esse anseio sempre envolveu lutas e discussões sobre os princípios que envolvem essa questão. Na origem da formação do Estado percebemos que “trazem intrinsecamente a idéia de sua própria legitimação, na medida em que asseguram ou até mesmo possibilitam a autonomia de todas as pessoas de forma igual, equânime” (SANTOS, 2005, p. 22). Na origem do Estado buscava-se estabelecer as condições para o que chamamos de igualdade formal, onde todos eram iguais perante a lei, tanto em direitos como deveres e o Estado neutro serviria apenas como um regulador das normas aplicadas entre os indivíduos.

Entretanto essa neutralidade do Estado não foi capaz de manter a igualdade no nível concebido, uma vez que baseada em oportunidades, “mas deixava subsistir uma profunda desigualdade de condições para a disputa de tais oportunidades” (SANTOS, 2005, p. 22). Surgiu assim, o conceito de igualdade material ou substancial que levava o direito a ter uma visão compensatória, analisando as partes envolvidas, procurando igualar a parte mais debilitada da relação. Surge dessa forma a idéia de justiça social, a qual se preocupa com o equilíbrio da sociedade como conjunto.

No ano de 1961 surge nos Estados Unidades, pelo então presidente John Kennedy, as “Ações Afirmativas” por parte do Estado as quais eram:

“Voltadas para combater os danos causados pelas leis segregacionistas que vigoraram entre os anos de 1896 e 1954, as quais impediam que os negros frequentassem a mesma escola que os brancos americanos.” (MACÊDO, 2009, p. 02)

Essas “ações afirmativas” tinham o objetivo de promover a inclusão, baseados no “objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos tem direito” (MACÊDO, 2009, p. 02).

A luta pela extinção da segregação racial americana serve como exemplo para mostrar o desenvolvimento na busca da igualdade, baseada em fatores raciais, que se aplicam muito bem a história americana, uma vez que lá a diferença foi clara, inclusive por leis estatais. Porém para o Brasil, essas questões trazem grandes debates, uma vez que o principal questionamento corrente é sobre a forma de distinção dos grupos étnicos ou raciais.

“O conceito de cor da pele (branco, pardo ou preto) possui significados diferentes, dependendo do local em que se esteja e da pessoa que faz tal avaliação. Um indivíduo pardo pode ser considerado branco para alguns e preto para outros. Da mesma forma, um pardo brasileiro, pode ser classificado como preto nos Estados Unidos e como branco na África.”(MACEDO, 2009, p. 02).

Complementando o problema, podemos verificar na análise a seguir, que além da dificuldade em definir essas características, na maioria das vezes o Estado aplica suas políticas de forma ineficaz:

“Assim, com exceções concretas que podem ser constatadas historicamente, as ações afirmativas, muitas vezes, não produzem resultados absolutamente coerentes num sistema em que o econômico tem privilégio absoluto e em que o Estado é grande provedor de bens públicos para os pobres da nação, com políticas compensatórias estipuladas verticalmente. Do mesmo modo, também as políticas de combate a miséria e distribuição de renda, quando não constituem ações afirmativas em relação a raça, não enfrentam de forma adequada o problema racial de inúmeras sociedades.” (SANTOS, 2005, p. 24)

Desta maneira elevam-se os debates sobre a eficácia dessas ações afirmativas e, mesmo como a utilização destas se serão corretamente aplicadas.No que concerne ao tema de cotas raciais, no Brasil, levanta-se o questionamento sobre como identificar essas características em um país completamente miscigenado e culturalmente diverso. Quem poderia afirma que é o negro? Quem poderia afirmar quem é o branco? A situação agrava-se quando comprovadamente existe a características de ambos em um indivíduo. Assim, quem seriam os julgadores, capazes de analisar essas condições e emitir decisão. Diante deste conflito apresenta-se a seara jurídica com a responsabilidade de decidir as questões que surgem diariamente, principalmente após as ações afirmativas de algumas universidades federais, que vem aplicando o sistema de cotas raciais para o concurso pré-vestibular.

Essas atitudes sugerem inquirições: Fere os princípios constitucionais a atitude dessas universidades? Está em acordo com as leis vigentes? Até que ponto estamos preparados para responder esses questionamentos?

Baseados nessas questões passaremos primeiramente a análise constitucional dessas medidas, em seguida a análise de projeto de lei relacionada as cotas raciais e casos judiciais, para enfim colocar nosso posicionamento.

ANÁLISE CONSTITUCIONAL – ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, IGUALDADE E LEIS VIGENTES

De forma geral, a busca pela democracia, com princípios de igualdade sempre foram amparadas por diversas Constituições Brasileiras, porém mais amplamente na Constituição de 1988. A partir desse momento temos confirmado pela Carta Magna um Estado Democrático de Direito para a defesa do que melhor se expõe abaixo:

“A noção de Estado democrático consiste, em resumo, na busca da expansão da cidadania, ou seja, na generalização das condições de participação formal e substantivamente igualitária de todos nos processos decisórios mais gerais da comunidade, tanto quanto nas relações cotidianas dos cidadãos”. (SANTOS, 2005, p. 25)

Com base nesse conceito o Estado deverá sempre agir para reduzir diferenças que possam restringir a cidadania para grupos menos favorecidos, historicamente exemplificado por mulheres ou minorias raciais. O Estado deve agir para conduzir a igualdade de condições. Essa assertiva é confirmada pelo normativo constitucional brasileiro no artigo 3º, inciso IV, onde proibi-se a desigualdade por critérios de: origem, raça, sexo, cor e idade. Assim podemos melhor entender que:

“Apesar do principio da igualdade estar presente em todas as constituições brasileiras, foi na Constituição Federal de 1988 que se atingiu o ápice e passamos a ter uma constituição que não só traz a igualdade formal, mas que autoriza, impele a busca por uma isonomia material.” (MELO, 2004, p. 13).

O Artigo 5º da Constituição preconiza enfaticamente que “todos são iguais perante a lei”, confirmando a igualdade material antes conceituada como norma vigente de nossa sociedade. Essa igualdade está apregoada por toda a Constituição, como por exemplo, no artigo 170, inciso VII, artigo 7º, inciso XX e artigo 5º, inciso XLII, entre outros. Fica assim comprovado a imperatividade do ordenamento jurídico máximo brasileiro que esta é condição inquestionável de nosso Estado, sendo inadmissível atuações contrárias a essas normas jurídicas.

Entretanto, surgem nesse contexto considerações que as ações afirmativas podem causar discriminação, pois não é a finalidade que vai de encontro a norma constitucional, mas sim o meio efetivo para alcançar os objetivos da equidade.

Neste sentido, o problema da implantação das cotas raciais em universidades sugerem acirradas defesas contrárias e favoráveis.

Aqueles que são favoráveis, apoiam-se na implantação de políticas que possam compensar a exclusão sofrida ao longo de anos de supressão dos direitos de cidadania. Nessa luta, encontram-se grupos como mulheres, indígenas e negros. Para este último, justifica-se a manifestação em virtude das consequências da escravidão, que por muito tempo colocaram este grupo aquém dos benefícios das políticas estatais, criando um descompasso social, que hoje resulta na pobreza e consequente acesso a educação, entre outras políticas públicas.

Contrariamente, para a implantação de cotas não se questiona o direito desses grupos, mas sim, os critérios dessa escolha, uma vez que no Brasil, quem pode denominar-se negro ou branco?

“O povo brasileiro é formado pelo resultado de uma miscigenação de várias etnias, logo identificar se o indivíduo é branco, negro, mameluco, caboclo, amarelo, dentre tantas outras cores presentes no sangue dos brasileiros não é uma tarefa fácil.” (MACÊDO, 2009, p. 03)

No texto a seguir podemos observar muito bem essa dificuldade de identificação de nossas características através de critérios subjetivos:

“Não há nada que deixe mais irado um proponente do anti-racismo diferencialista do que lançar a questão de como definir o negro no Brasil. De fato, todo o debate sobre as cotas raciais tem partido e girado em torno desta simples pergunta: como definir “negro” em terras onde muitos se orgulham de ser “morenos”? É verdade, o fantasma de Gilberto Freyre anda perigosamente às soltas a infernizar as vidas daqueles que só conseguem discernir preto e branco entre as muitas cores com que a população brasileira insiste em se colorir. Acastanhada, agalegada, alva-escura, azul-marinho, bem-clara, bem-morena, branca-queimada, cor-de-café, cor-de-canela, cor-de-rosa, cor-firma, jambo, laranja, melada, meio morena, morena-bem-chegada, rosa, roxa, sarará, trigueira, verde... estas são algumas das cores saborosas com que se tingiram os entrevistados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – , realizada pelo IBGE em 1976. Não há como não admirar (e aplaudir) esta demonstração de bom humor e de irreverência em relação à racialização, que perguntas sobre a “identidade de cor” cobram a cada passo, mesmo que na forma suave de auto-atribuição. Ao final, compilada uma longa lista de 135 cores e diante de uma tal engenhosidade popular, os pesquisadores viram-se às voltas com o seguinte problema: ou desistiam simplesmente da variável cor, ou restringiam as possibilidades imaginativas dos entrevistados, designando um conjunto de opções para a variável “cor”. Concluiu-se, assim, pela imposição de um quadro fechado de termos racializadores, capazes de podar pela raiz a ambigüidade das respostas livres e criativas da população. Sem isso, não haveria condições para desenvolver estatísticas precisas e seguras... A partir daí, decidiu-se que o brasileiro a ser recenseado pode ter apenas cinco cores: branca, parda, negra, indígena, amarela.” (AZEVEDO, 2004, p. 222)

Diante dessas exposições deparamo-nos com os conflitos existentes em decorrência da utilização das cotas raciais nas universidades. Uma das pioneiras neste sentido foi a Universidade Estadual do Rio de Janeiro:

“Onde foram utilizados dois tipos de cotas, um que reservava 50% das vagas para estudantes de escolas públicas (Lei Estadual n.º 3.708), e outro reservava 40% das vagas para os candidatos que se declarassem negros (Lei Estadual nº 3.525/00). É mister esclarecer que as cotas para negros, abrangem todas as pessoas que se declararam negros ou pardos.” (MELO, 2004, p. 15).

Com o início do uso das cotas, começaram as demandas judiciais em torno do tema, como por exemplo:

“Uma representação de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça estadual (TJRJ), processo n.º 2003.007.00021, e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF), processo n.º ADIN 2858, que suspenderem liminarmente a eficácia das leis acima referidas” (MELO, 2004, p. 16).

As leis anteriores no Rio de Janeiro sobre o tema foram revogadas pela Lei Estadual n.º 4.151/03 de 05 de setembro de 2003, que estabeleceu a cota em 20% para alunos de escola pública e 20% para negros. Entretanto, o executivo e o legislativo foram alertados sobre a existência de liminar que ainda impedia legislar sobre o assunto.

Da mesma forma que ocorreu no Rio de Janeiro, outros Estado começaram a legislar sobre o assunto, apresentando projetos de lei para regular a atuação das entidades de ensino.

Diversas ações tem ocorrido no Brasil, discutindo-se sua constitucionalidade, sua justiça e até mesmo a sua eficácia.

Citaremos alguns exemplos:

“TJSC - Apelação Cível n. 2008.014214-4, de Criciúma. Relator: Vanderlei Romer. Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público. Data: 08/01/2009. Ementa: "ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - RESERVA DE VAGAS PARA AFRO-BRASILEIROS - INDÍCIO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL - VEDAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. ''É este o sentido que tem a isonomia no mundo moderno. É vedar que a lei enlace uma consequência a um fato que não justifica tal ligação. É o caso do racismo em que a ordem jurídica passa a perseguir determinada raça minoritária, unicamente por preconceito das classes majoritárias. Na mesma linha das raças, encontram-se o sexo, as crenças religiosas, ideológicas ou políticas, enfim, uma série de fatores que os próprios textos constitucionais se incumbem de tornar proibidos de diferenciação. É dizer, não pode haver uma lei que discrimine em função desses critérios''" (BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atual, 1999, 0. 181/182)" (Argüição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2005.021645-7, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).” (MACÊDO, 2009, P. 11)

“Em 2007, a Justiça Federal de Santa Catarina, concedeu a um estudante que pleiteava uma vaga no curso de Geografia, na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, o direito de concorrer a todas as vagas em disputa no processo seletivo, por entender que a reserva de vagas viola o princípio constitucional da igualdade. O juiz do caso, Dr. Carlos Alberto da Costa Dias, ao fundamentar sua sentença alegou: "A supressão de vagas ao ‘não-negro’ viola o princípio constitucional da igualdade, sem que haja real fator para privilegiar o denominado ‘negro’, em detrimento do denominado ‘não-negro’”. (MACÊDO, 2009, p. 11)

Apesar de várias decisão declarando a inconstitucionalidade, encontramos também posicionamento favorável a administração de cotas para acesso ao ensino universitário:

“Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO. Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 200633000084249. Processo: 200633000084249 UF: BA Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data da decisão: 11/04/2007. Documento: TRF10247986. DIREITO CONSTITUCIONAL. ENSINO. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. INSTITUIÇÃO, POR RESOLUÇÃO, DE COTAS PARA NEGROS E ÍNDIOS, EGRESSOS DE ESCOLAS PÚBLICAS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Na medida em que a Administração está, pela própria Constituição, vinculada diretamente a outros princípios que não só o da legalidade, transparece não ser pela ausência de lei formal, salvo reserva constitucional específica (não bastando a reserva genérica do art. 5º, II), que deixará de realizar as competências que lhe são próprias. 2. Se a Constituição dá os fins, implicitamente oferece os meios, segundo o princípio dos poderes implícitos, concebido por Marshall. Os preceitos constitucionais fundamentais, incluídos os relativos aos direitos fundamentais sociais, têm eficácia direta e imediata. A constitucionalização da Administração "fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário" (Luís Roberto Barroso). 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III, da Constituição). Nesse rumo, os direitos e garantias expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, § 2º). A Constituição, ao proteger os direitos decorrentes do regime e dos princípios, "evidentemente consagrou a existência de direitos fundamentais não-escritos, que podem ser deduzidos, por via de ato interpretativo, com base nos direitos fundamentais do ''catálogo'', bem como no regime e nos princípios fundamentais da nossa Lei Suprema" (Ingo Wolfgang Sarlet). 4. É o caso da necessidade de discriminação positiva dos negros e índios, cuja desigualdade histórica é óbvia, dispensando até os dados estatísticos, além de reconhecida expressamente pela Constituição ao dedicar-lhes capítulos específicos. Não se trata de discriminar com base na raça. A raça é apenas um índice, assim como a circunstância de ter estudado em escola pública. O verdadeiro fator de discriminação é a situação social que se esconde (melhor seria dizer "que se estampa") atrás da raça e da matrícula em escola pública. Há um critério imediato - a raça - que é apenas meio para alcançar o fator realmente considerado - a inferioridade social. 5. Nas ações afirmativas não é possível ater-se a critérios matemáticos, próprios do Estado liberal, que tem como valores o individualismo e a igualdade formal. Uma ou outra "injustiça" do ponto de vista individual é inevitável, devendo ser tolerada em função da finalidade social (e muitas vezes experimental) da política pública. 6. Apelação a que se nega provimento.” (MACÊDO, 2009, p. 13)

“AGTR 61937-AL (20050500012442-4). AGTE: HEVERTON DE LIMA VITORINO. ADV/PROC:RICARDO ANTÔNIO DE BARROS WANDERLEY E OUTROS. AGDO: UFAL - UNIVERSIDADEFEDERAL DE ALAGOAS. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PETRUCIO FERREIRA.EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DECOTAS. RESOLUÇÃO Nº 9/2004 – CEPE. RESERVA DE 20% (VINTE POR CENTO) DAS VAGAS PARAALUNOS NEGROS E PARDOS. AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES. - Hipótese em que o agravante busca reformar decisão singular que lhe indeferira tutela antecipada por meio da qual pretendia obter matrícula em Curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas, ora agravante; - Implantação do sistema de cotas através da Resolução nº 9/2004 - CEPE por meio da qual dá-se a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nas universidade públicas a alunos negros e pardos; - Medida que visa a oferecer oportunidade de acesso aos bancos universitários públicos àqueles historicamente economicamente hipossuficientes; - Por outro lado, considerando o enfoque administrativo, observa-se que as normas internas que regem a vida acadêmica são inerentes à autonomia das universidades, assegurada pela Constituição, não se aferindo, por conseguinte, qualquer ilegitimidade no agir da agravada que, fazendo uso de sua autonomia universitária, definiu através da Resolução nº 9/2004 – CEPE o sistema de cotas para negros e pardos; - Ausência de motivos a ensejar a reforma pretendida; - Agravo de instrumento improvido.” (MACÊDO, 2009, p. 13)

Percebemos pelas ações exemplificadas que o debate em torno do tema não parece chegar a um consenso quanto a constitucionalidade, entretanto são coerentes quanto a necessidade de gerar oportunidades para que o ensino seja extensivo àqueles que não tiveram seus direitos garantidos.

Nesse sentido, transcorre na esfera federal o Projeto de Lei da Câmara (conferir anexo) número 180, de 2008 (PL no 73, de 1999, na Casa de origem), que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências, e dos Projetos de Lei do Senado (PLS) no 215, de 2003, no 344, de 2008, e no 479, de 2008, apensados.

Visa o referido projeto de lei:

“Art. 1o As instituições públicas federais de educação superior, durante doze anos, reservarão percentual de vagas nos cursos de graduação para os estudantes que tenham cursado os quatro últimos anos do ensino fundamental e todo o ensino médio em escolas públicas dos sistemas de ensino federal, dos Estados e do Distrito Federal ou dos Municípios.

Parágrafo único. O percentual das vagas a que se refere o caput será de 40% (quarenta por cento) nos quatro primeiros anos, 30% (trinta por cento) nos quatro seguintes e 20% (vinte por cento) nos quatro últimos.”

Como podemos perceber o Projeto de Lei visa um caráter temporário, provavelmente por considerar que uma atuação definitiva desse dispositivo poderia trazer a longo prazo uma discriminação de fato, onde certamente poderiam ser esquecidas as ações que realmente são eficazes para tratar o problema.

Continua ainda o referido projeto, estabelecendo as regras para o acesso às instituições federais, quando os alunos são originários da rede pública:

“Art. 2o Em cada concurso seletivo, os estudantes que preencherem os requisitos para participar da reserva de vagas a que se refere o art. 1o concorrerão entre si, incumbindo a cada instituição estabelecer desempenho mínimo para todos os candidatos, correspondente aos conteúdos do currículo do ensino médio indispensáveis para o acompanhamento do curso pretendido.

Art. 3o As instituições de ensino médio integrantes da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica reservarão, durante doze anos, vagas nos cursos de graduação para estudantes que tenham cursado todo o ensino fundamental em escolas públicas dos sistemas de ensino federal, dos Estados e do Distrito Federal ou dos Municípios.

Parágrafo único. O percentual das vagas a que se refere o caput será de 40% (quarenta por cento) nos quatro primeiros anos, 30% (trinta por cento) nos quatro seguintes e 20% (vinte por cento) nos quatro últimos.”

Na análise feita na Comissão de Constituição e Justiça (conferir anexo) temos os comentários a seguir, que demonstram bem a preocupação em não criar foco apenas na questão racial como único meio de diminuir as desigualdades, uma vez que, torna-se bem claro, que apenas essa atitude não seria suficiente para compensar as necessidades atuais, no que refere-se especialmente ao campo educacional:

“Desse modo, não é menos excluído o pardo ou o negro das periferias do Norte, Nordeste e Sudeste que o gaúcho pelo duro, alemão, polaco ou italiano dos subúrbios da região Sul, conquanto estes e aqueles estejam, também, em bolsões de pobreza no Centro-Oeste e em todo o território nacional. Na verdade, muitos brasileiros pobres são oriundos das massas de imigrantes europeus que vieram substituir a mão de obra escrava e foram também explorados em áreas urbano-industriais, mediante o sistema assalariado”

“A questão que se coloca na implantação de cotas não é se beneficiaremos os negros e afrodescendentes, mas, se ao agirmos somente sob o critério étnico e racial, não estaríamos ignorando a natureza da mestiçagem do povo brasileiro, e colocando à margem do benefício população não negra igualmente excluída”

“Por isso é que se o desejo do Estado brasileiro consistir na ruptura do ciclo de exclusão e pobreza, por meio do acesso ao ensino superior, haveremos que vislumbrar o critério social, de poder aquisitivo e indicadores socioeconômicos, por serem estes mais abrangentes e justos, quando comparado ao critério étnico e racial”

Assim, cremos que essa política deve somar-se a outras de igual importância, para que não se crie uma sociedade onde somente os mais organizados, ou apenas grupos específicos tenham acesso a direitos que são de todos. Referendamos, que até mesmo o caráter temporário deste Projeto de Lei, se mal administrado pode colidir com as intenções do seu texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil sofremos lamentavelmente da deficiência nas políticas públicas que deveriam permitir o acesso igualitário a todos na educação de qualidade. Notadamente, aqueles que possuem menos recursos, sofrem com a exclusão social, iniciado em raízes profundas.

Em um cenário ideal não teríamos o problemas das cotas raciais, se quando criança fosse possível a todos entrar nas escolas, receber ensino de qualidade, no qual houvesse a capacidade de concorrer a uma vaga universitária sem a necessidade de lançar mão de cursos paralelos ou escolas particulares. O ensino público deveria ser suficiente para sanar nossas expectativas.

Entretanto nada ocorrer dessa forma, e atualmente são premiados aqueles que com boa fundamentação conseguem passar nos concursos de vestibular, deixando para trás aqueles que não tiveram as mesmas condições. O problema claramente se encontra na raiz, no começo de tudo. Falham as políticas que deveriam nivelar todos igualmente.

O sistema de cotas raciais podem trazer em alguns casos, resultados específicos, mas provavelmente não solucionará o problema no Brasil, uma vez que em um país tão miscigenado, os critérios de seleção serão sempre humanos, portanto dignos de falha. É necessária a reflexão mais profunda da sociedade quanto às ações que realmente conduzam a igualdade entre todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Cota racial e estado: abolição do racismo ou direitos de raça?. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004.

MELO, Osias Tibúrcio Fernandes de. Ação afirmativa: o problema das cotas raciais para acesso às instituições de ensino superior da rede pública. Jus Navigandi. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2009.

MACÊDO, Márcia Andréa Durão de. Cotas raciais nas universidades brasileiras. Legalização da discriminação. Jus Navigandi. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2009.

SANTOS, João Paulo de Farias. Ações Afirmativas e Igualdade racial, A contribuição do direito na construção de um Brasil Diverso. São Paulo. Loyola. 2005.

SANTOS, Élvio Gusmão. Igualdade e raça. O erro da política de cotas raciais. Jus Navigandi. Disponível em: . Acesso em: 05 nov.2009.

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