domingo, 2 de novembro de 2008

Resenha Crítica do Filme JUSTIÇA

JUSTIÇA. Produção de Maria Augusta Ramos. Brasil: Videolar, 2004. DVD duplo (117 min), son., cor.

Este texto analisa o filme “Justiça” dirigido por Maria Augusta Ramos. Ele é apresentado em forma de documentário e analisa o funcionamento da justiça criminal no Brasil, acompanhando com a neutralidade possível a realidade dos tribunais brasileiros. Foi produzido com base em pesquisas e observações no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Maria Augusta Ramos nasceu em Brasília em 1964. Depois de se graduar em música pela Universidade de Brasília, mudou-se para a Europa onde estudou Musicologia e Música Eletroacústica em Paris, no Groupe de Recherche Musicale (Radio France) e, logo depois, em Londres, na City University. Em 1990, mudou-se para a Holanda onde ingressou na The Netherlands Film and Television Academy, especializando-se em direção e edição. No filme ela pretende retratar a questão da tensão urbana, violência e criminalidade no Brasil, como conseqüência das grandes diferenças sociais.
O longa metragem lançado em 2004 apresenta o funcionamento do sistema penal brasileiro a partir da visão do cotidiano de alguns personagens selecionados pela diretora; entre estes, operadores do Direito, como magistrados, promotores, advogados e defensores públicos. A abordagem desse tema leva a um olhar mais humano para o exercício do Direito, que acaba insensibilizando aqueles que militam diariamente no contexto violento da sociedade atual.
O documentário acompanha um mundo desconhecido de muitos brasileiros e examina a realidade por trás da criminalidade. Esta situação é amparada pela injustiça social que produz na sociedade as condições necessárias ao desenvolvimento do crime. Não é a toa que o sistema carcerário está lotado de pessoas que não tiveram outra expectativa de vida e foram silenciosamente induzidas a prática de ações delituosas. É fato destacado no filme que a sociedade encarcera todos aqueles que ela não consegue controlar. Isso fica patente com a superlotação das prisões que em vez de cumprirem seu papel de corrigir, lançam um tratamento desumano a todos aqueles que ali estão. Tornam-se esquecidos da sociedade, pois o Estado há muito perdeu as rédeas do sistema.
Defende-se a aplicação de penas alternativas para a diminuição do grande número de encarcerados, entretanto, essa alternativa está ainda longe de ser alcança, visto que o acompanhamento dessas penas ainda é muito falho, e o próprio sistema não consegue reconhecer alternativas para esse controle. Falta organização, empenho e verdadeira motivação para selecionar candidatos que realmente merecem a reclusão do cárcere. Durante o filme a defensora pública Maria Ignez Kato demonstra sua falta de conformismo com uma justiça que declara a prisão de um réu causador de um simples furto, lançando esta pessoa em uma prisão que nunca irá recuperá-la, pelo contrário, a tendência é o afastamento de uma recuperação.
Por outro lado, há também o grande número de processos que forçam os operadores do Direito a não dedicar a atenção necessária ao julgamento dos fatos, bem como a atuação mecânica e algumas vezes corrupta da Polícia, que em grande número narram os fatos de forma incompleta, causando consequentemente uma onda de ações incorretas. É notório no filme o conhecimento de situações que não encontram-se narrados nos autos, e portanto não podem ser apreciados pela justiça.
A Diretora posicionou suas câmeras voltando o olhar para o que ocorre diariamente, desde a saída do preso das celas da Polinter, até as salas de audiência no Fórum do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O contraste emitido por esses lugares é relevante. As condições demonstram a clara diferença de classes, entre aquele que comanda e o que é subjugado. Enquanto que na Polinter as pessoas se acumulam entre diversas situações como: A grande fila para a visita de parentes e amigos, as condições de trabalho dos policiais responsáveis pela carceragem e a degradação animal a que são submetidos os presos; temos um claro constrate com as condições pomposas do tribunal. Não é preciso ver o filme ou ir longe para ver essa realidade, pois uma simples visita ao Palácio da Justiça de nossa Belém é suficiente para fazer a comparação. Em certo momento de seu depoimento a Diretora Maria Augusta Ramos relata a sua surpresa ao deparar-se com o cenário das prisões e do judiciário, comparado ao seu conceito prévio de uma justiça nos moldes dos filmes americanos e da realidade vivida por ela própria em países da Europa. É claro que não está errado a busca de conforto no trabalho, mas os ambientes deveriam no mínimo aproximar-se em condições que lembrassem o tratamento justo.
Outro ponto observado é a postura conservadora ou mais liberal dos juízes participantes do documentário na condução das audiências. A cena inicial é particularmente interessante, onde o juiz inicia o depoimento do réu e somente depois de algum tempo percebe que ele está em uma cadeira de rodas. Quando o juiz questiona se quando da prisão, se encontrava naquele estado, o réu confirma, e mesmo percebendo que houve um claro engano na sua prisão, nada faz a respeito. O envolvimento de cada juiz com as audiências é marcado por atuações diferentes. A Dra. Fátima Maria Clemente, por exemplo, demonstra clara irritação, ao deparar-se com o depoimento da personagem Carlos Eduardo, que no momento da prisão estava em companhia de outras mulheres, em um ato claro de traição a esposa. Ironicamente a juíza não ouve seus apelos de liberdade condicional para cuidar de sua esposa e filhos. O contraste torna-se mais claro com a atuação do Dr. Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, que possui uma atitude bem mais cordial com todos aqueles a quem trata. Quanto aos representantes do Ministério Público e Defensoria nas audiências a participação é inexistente. Eles não se manifestam questionando, tampouco auxiliando o juiz ou depoentes.
Das audiências apresentadas foi interessante observar que todos os réus usam da mentira para tentar fugir de sua pena. A maioria, reincidente, não tinha a preocupação com a conseqüência de suas atitudes. Eles se vêem envolvidos no crime como uma necessidade de sobrevivência; em alguns casos como a única alternativa para suas vidas.
Temos o caso do jovem Alan, que não conheceu o pai e presenciou o assassinato de sua mãe e não teve outras oportunidades se não às ruas. Apesar da boa vontade de sua tia, esta não conseguiu combater a influência externa. Mesmo com a saúde precária ele se envolveu com drogas e foi preso aos 18 anos portando entorpecentes. Foi julgado e condenado a cumprir pena alternativa, mas novamente fica claro o descontrole do Estado, pois o jovem é liberado da Polinter a noite com a saúde claramente abalada sem nenhuma orientação de acompanhamento e aparentemente sem rumo.
O filme retrata com clareza e objetividade o seu caráter sociológico através da complexa realidade das relações de poder no seio da sociedade, onde a justiça funciona como elemento de reafirmação de uma ordem social fundamentalmente injusta. Destina-se a todos os públicos e traz uma grandiosa contribuição para os estudantes de direito que serão os futuros agentes desse sistema, especialmente porque mostra a necessidade de reformas no judiciário brasileiro, que envolve desde a capacitação dos agentes envolvidos, como também de melhorias na estrutura física do sistema penitenciário, assim como a necessidade de medidas de ressocialização, reeducação e punição a que são submetidos os presos.


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Um comentário:

Docinho disse...

Mto boa a sua resenha, tá de parabéns!! Concordo em grau e gênero com vc!